Canis irregulares no Brasil: como o comércio ilegal de animais pode prejudicar os compradores e os animais
Em constante crescimento, o tráfico de animais domésticos e silvestres continua dando dor de cabeça à esfera pública. Segundo a Constituição Federativa do Brasil, todos os animais possuem proteção da lei maior do país, assegurada pelo artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII da Constituição Federal. A Lei Nº 9.605/98 também criminaliza o ato de abuso, maus tratos, ferir e mutilar animais domésticos ou silvestres, sendo nativos ou exóticos.
Entretanto, o rápido aumento desse comércio ilegal durante a pandemia demonstra que alguns conceitos precisam ser revistos.
“A lei 9.605 de 1998, por exemplo, expõem que a venda ilegal de animais podem ter penas superiores a 1 ano e multa, conforme o previsto no artigo 29 da lei. Mas, mesmo com a fiscalização, a população também deve se atentar”, explica Dr. Ilmar Muniz, advogado.
Leis protetivas
Canis e gatis, pet shops, casas de banho e tosa, casas de venda de ração e produtos veterinários que comercializam cães e gatos, devem responder às regras estabelecidas pela Lei Nº 9.605/98. Em alguns municípios, também deve-se responder às leis protetivas específicas, como a 14.483/07, de São Paulo.
Alguns municípios também possuem suas leis protetivas aos animais. A Lei Municipal 14.483/07, de São Paulo, combate o comércio ilegal, visando regular a venda e eventos de adoção de cães e gatos. Criada em 2007 pelo ex-vereador Roberto Tripoli, a lei estabelece regras para o comércio legal dos animais de estimação domésticos e prevê segurança e bom tratamento aos pets.
Entre as normas, está a venda de filhotes acima de 60 dias, castrados, vermifugados, livres de ecto e endoparasitas (como pulgas e carrapatos), microchipados, com nota fiscal e manual de orientação sobre a raça e cuidados. Os cães vendidos para pessoas residentes em São Paulo, por exemplo, devem receber RGA (Registro Geral do Animal). Os pet shops e assemelhados ficam obrigados a possuir médico veterinário responsável.
Também estão proibidas as vendas públicas, conforme o decreto regulamentador da lei (Decreto Municipal 49.393/08). Cabe às Subprefeituras fiscalizar e impedir a ação de comerciantes de cães e gatos nessas áreas.
Nas ações fiscalizatórias, em caso de apreensão de filhotes, a subprefeitura deve acionar outro órgão para recolher os apreendidos. O infrator tem um prazo legal para recuperar os filhotes ou adultos eventualmente apreendidos. A multa é de R$ 500,00 reais por animal, além da obrigação de indicar em que estabelecimento regular o animal será comercializado. Os animais resgatados são encaminhados para adoção.
Na esfera nacional, além da Lei 9605/98, o então Projeto de Lei PLS 358/2018, de 2018, proibia a venda de cães e gatos nas ruas. A Comissão do Meio Ambiente (CMA), aprovou em 2019 a Lei, de autoria de Rudson Leite, suplente do senador Telmário Mota.
De acordo com a norma, quem insistir no método de venda pode ser enquadrado por maus-tratos a animais e condenado a detenção de três meses a um ano, mais pagamento de multa, como determina a Lei 9.605, de 1998. Caso o animal morra, a pena é aumentada de um sexto a um terço e também estará enquadrado na Lei de Crimes Ambientais, de 1998.
“Basicamente, para definir a regularidade de funcionamento de um canil, é importante verificar se o estabelecimento está devidamente regular junto à prefeitura, com alvará de funcionamento ativo e com todas as licenças das zoonoses em dia, bem como a assinatura e vigilância de um veterinário responsável. Ainda é importante frisar que é dever da municipalidade realizar fiscalizações periódicas no local para apurar condições e trato com os animais”, explica Dr. Ilmar Muniz.
Crescimento de casos
Recentemente, no mês de abril, a Polícia encontrou R$ 33 mil em canil clandestino após o resgate de 134 cães em Limeira, (SP), mesmo Estado da Lei protetiva aos animais (São Paulo). De acordo com o delegado da Delegacia de Investigações Gerais (DIG), Leonardo Borges, o dinheiro foi localizado em meio a vacinas vencidas ou em mau estado de conservação.
Segundo a Guarda Civil Municipal, que participou da ação e prendeu os criminosos, os animais estavam em situação de maus-tratos, sem comida e aglomerados em meio a fezes e urina. A ação foi realizada após denúncia de vizinhos. O casal responsável pelo canil ilegal foi preso e está respondendo por crime ambiental.
O caso é similar ao canil clandestino encontrado em Rio Grande pela Guarda Municipal, em fevereiro. No local havia 30 cães, 20 galinhas e outros animais. Dois cachorros foram encontrados mortos. Os animais resgatados foram postos para adoção.
As leis protetivas visam fiscalizar a proteção dos compradores e dos animais, mas, mesmo com as normas estabelecidas, o comércio ilegal de animais segue aumentando. A situação é um tanto mais problemática do que o aparente. Segundo Liriel Gaio, da Treville Kennel, o comércio ilegal dos animais de estimação segue aumentando.
“A promessa de dinheiro fácil, a facilidade de divulgação por meios digitais e o apelo de ter um animal fofinho e bonitinho acaba atraindo essas pessoas desqualificadas, sem compromisso e sem conhecimento para a aventura da criação. Verdadeiros criminosos promovem circos de horrores na criação clandestina à margem da lei”, comenta.
A transmissão das doenças zoonóticas
Um problema presente no comércio ilegal de animais são as doenças zoonóticas (também conhecidas como zoonoses). São doenças causadas por vírus transmitidos entre animais e seres humanos. Zoonoses conhecidas incluem HIV/AIDS, Ebola, Doença de Lyme, Malária, Raiva, Febre do Nilo Ocidental, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), além do novo coronavírus (COVID-19).
A Covid-19 matou 18 milhões no mundo em dois anos, o triplo dos números oficiais divulgados. O estudo foi publicado na revista ‘The Lancet’. A doença zoonótica será uma das principais causas de mortalidade no mundo em 2020 e 2021.
Alguns animais são mais propensos a abrigar patógenos zoonóticos, como roedores, morcegos, animais carnívoros e primatas, além de outros economicamente importantes, como porcos, vacas e galinhas, mas os animais domésticos também podem passar essas doenças.
As doenças zoonóticas são transmitidas naturalmente entre animais (silvestres e domésticos) e pessoas por exposição direta ou indireta, consumo de produtos derivados (como carne, leite, ovos, entre outros) ou contato com o entorno.
As oportunidades de transmissão aumentam à medida que o contato das pessoas com animais silvestres aumenta, principalmente devido a perturbações na dinâmica natural dos ecossistemas causadas pelo homem, ou quando esses animais são retirados de seu habitat natural para outro ambiente para serem comercializados. Essas alterações reduzem as barreiras naturais entre humanos e animais, criando condições favoráveis à propagação de zoonoses.
Animais silvestres
A procura pelos animais silvestres também está crescendo. Conforme a ONG Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, no Brasil anualmente cerca de 38 milhões de animais são retirados de seus habitats naturais, sendo aproximadamente 12 milhões de espécimes diferentes. O número é 10% maior que o de 2010. Grande parte dos animais é vendida aos compradores nas ruas ou em vias públicas.
No Brasil, qualquer comércio de animais silvestres sem autorização legal é crime. O “correto” no país é considerado restritivo, é crime capturar, transportar e utilizar espécimes da fauna silvestre sem a permissão de autoridades ambientais. Multas e penas de prisão estão previstas para quem infringir as leis estabelecidas pelo Estado.
Pets no Brasil
Somente em 2018 foram contabilizados no país 54,2 milhões de cães; 39,8 milhões de aves; 23,9 milhões de gatos; 19,1 milhões de peixes e 2,3 milhões de répteis e pequenos mamíferos. A estimativa total chega a 139,3 milhões de animais de estimação. O número é o maior da história.
Cada vez mais pessoas e famílias buscam um animal de estimação para companhia, dar e receber afeto e atenção. O levantamento também mapeou onde estão os pets por estado e regiões do Brasil. Em 2018, a maior concentração de animais de estimação esteve na região Sudeste, com 47,4%. Em seguida está o Nordeste com 21,4%; Sul 17,6%; Centro-Oeste com 7,2% e Norte com 6,3%.
Com o aumento da procura, surgem também os pontos de venda ilegais. Estipula-se que mais da metade dos pets não recebeu o tratamento correto antes da compra ou provém do comércio ilegal, gerando sérias complicações aos compradores e aos animais.
Canis legalizados
Além das doenças, um problema que pode ser evitado pelos canis legalizados é a saúde e bem estar dos pets e o respeito ao meio ambiente. algumas espécies necessitam de tratamentos especiais, como o Spitz Alemão e o Anão Lulu da Pomerânia. Esses cães precisam de um cuidado mais sofisticado com pelos, remédios, bem estar e higiene. Canis legalizados possuem o aporte necessário para cuidar dos pets.
Como saber se o canil é legalizado
O primeiro documento a se ver do canil é o alvará sanitário. Esse documento garante que as instalações do canil estão de acordo com as normas sanitárias do município, e garantem um padrão mínimo de higiene e saúde. O segundo é dos veterinários responsáveis pelo canil, ou seja, os profissionais que estão ali de plantão, em como os zootécnicos que estão de plantão para cuidados com o ambiente. Por último, deve-se procurar o documento de filiação a um kennel club estadual ou brasileiro.
Mesmo sendo opcional, essa filiação é mais recomendada para quem busca um canil que vende cães com pedigree. Para garantir que o canil não está falsificando o documento, é importante depois de receber os dados do canil, verificar com o kennel club de seu estado as informações sobre o canil e confirmar se ele é mesmo filiado ou pelo menos é um criador ou canil recomendado.
“Um canil ético, além de contar com uma documentação mínima, deve ter uma estrutura que, independente do seu porte, promova os predicados básicos de saúde, bem-estar e seleção da raça. A filiação a um entidade cinófila não é um aferidor confiável por como as entidades não tem poder de fiscalização a simples filiação ou emissão de um documento de pedigree, apesar de ser essencial esse documento, não atesta a condição de criação do canil. O ideal é buscar conhecer o trabalho e o espaço do criador em tela, verificar depoimentos de clientes e analisar a transparência que este criador tem. Principalmente se ele segue o conceito básico das 5 liberdades (Livre de fome e sede, livre de desconforto, livre de dor, ferimentos e doenças, liberdade para expressar comportamento e livre de medo e angústia)”, afirma Leriel, da Treville Kennel.
Quem compra
Embora as vendas clandestinas sejam um grande problema, os compradores desses animais não legalizados acabam dando margem para mais oferta. O fechamento dessas organizações criminosas deve ser ressaltado, mas a importância do tutor ter essa consciência deve ser levada em conta.
“Por ele (tutor) estar do outro lado, muita gente ainda cria clandestinamente. Não é apenas uma questão de falta de ética de quem cria, mas da demanda do mercado”, aponta Liriel Gaio.
As denúncias e a própria pesquisa antes de comprar um cão são formas de lutar contra o avanço do comércio ilegal e maus tratos contra esse cães. Não fique em silêncio, denuncie!