Manejo Integrado do Fogo (MIF) é alternativa para reduzir incêndios no Brasil
Imagens de satélite mostram que um quinto do Brasil já sofreu algum tipo de queimada, que está se tornando cada vez mais frequente e intensa ano após ano. Para evitar que a estação seca de 2022 se transforme em uma nova tragédia, como o país viu nos últimos tempos, produtores podem aproveitar o fim da estação chuvosa para planejar o uso de uma estratégia que comprovadamente reduz os incêndios: o Manejo Integrado do Fogo (MIF).
Segundo Lívia Carvalho Moura, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o MIF se baseia na prevenção a incêndios, envolvendo ações de conscientização, valorização do conhecimento tradicional local, envolvimento comunitário, criação de aceiros, formação de brigadas locais e também o uso do fogo de forma controlada nos biomas que naturalmente queimam, como o Cerrado, o Pantanal e os Pampas.
A estratégia do MIF ainda envolve ações de mapeamento de combustível e áreas queimadas, reuniões de planejamento coletivas, recuperação de áreas degradadas, educação ambiental e monitoramento e avaliação constante.
A pesquisa de mais de 12 anos da geógrafa e doutora em ecologia, realizada no bioma Cerrado, comprova que as comunidades tradicionais e de agricultores familiares são as que mais conhecem o comportamento do fogo e sabem tanto prevenir quanto combater incêndios, mas é preciso promover a capacitação técnica para garantir segurança aos brigadistas comunitários.
“As comunidades tradicionais têm muito a ensinar à ciência sobre conservação ambiental. Um dos maiores ensinamentos é que é possível reduzir significativamente a incidência de focos de calor no Brasil com planejamento, capacitação e envolvimento das comunidades rurais”, diz Lívia Moura. A pesquisadora destaca que a prática do MIF reduz em até 57% a área queimada por incêndios.
“A prática de queima prescrita consome o material combustível de forma controlada sob condições de umidade e temperatura que dificultam a propagação das chamas, reduzindo o risco de incêndios que temos visto em áreas de vegetação nativa no período crítico da seca todos os anos”, alerta a geógrafa, que atua junto às comunidades do Cerrado no registro desse saber tradicional.
O manejo do fogo é realizado por comunidades tradicionais há séculos como um aliado para suas atividades produtivas e para proteção de seus territórios. Por meio de aceiros e queimas pontuais antes da estiagem, quando as plantas ainda estão úmidas, é possível criar um mosaico de áreas queimadas que impede o fogo de se alastrar descontroladamente. Esse tipo de técnica aumenta a proteção contra incêndios e a época para sua implementação varia entre janeiro e junho.
Lívia explica que existem diferenças entre os biomas. A queima prescrita que é feita no Cerrado não se aplica a áreas de florestas, por exemplo. No Cerrado, o fogo faz parte do ciclo de vida. O fogo consome a matéria seca produzida, especialmente por gramíneas e vegetação herbácea, e permite a rebrota ou o estabelecimento de novas vidas.
“Quando a comunidade rural em áreas de Cerrado não faz o manejo do fogo, a vegetação seca na estiagem e as áreas produtivas e de vegetação natural ficam mais susceptíveis a incêndios.”, detalha. É verdade que qualquer tipo de combustão da vegetação libera gases poluentes na atmosfera, mas as emissões resultantes das queimas controladas e prescritas do MIF são muito menores do que as emitidas por grandes incêndios que têm cada vez mais agravado as mudanças climáticas.
Para além da mitigação às mudanças do clima, o MIF possibilita uma economia aos cofres públicos, considerando que os gastos com combate a incêndios envolvem mais helicópteros, gastos com combustível, equipamentos e horas de trabalho das equipes envolvidas. Todo o esforço de prevenção e planejamento do MIF garante um melhor custo x benefício, onde pessoas são empregadas para trabalhar sob condições mais seguras e com as ferramentas adequadas.
Vários países que usam o MIF tiveram bons resultados, como é o caso da Austrália que, inclusive, empregou tecnologia para mapear os seus resultados. “Com os resultados exitosos, a abordagem passou a ser implementada por diferentes países na África e tem se provado cada vez mais eficiente na redução de prejuízos ambientais e econômicos”, diz Lívia.
No Brasil, as práticas com o uso do fogo foram proibidas no período colonial. Atualmente, só é possível usar o fogo em terras privadas mediante autorização, que é difícil de ser conseguida. Existe um Projeto de Lei (PL 11276/2018), aprovado em 2021 pela Câmara dos Deputados, que agora aguarda tramitação no Senado Federal. O projeto regulamenta a prática e permite a ampliação do MIF para todo o território brasileiro.
Lívia destaca que é importante ter pessoas capacitadas formando equipes, de acordo com as especificidades de cada bioma e localidade. Isso ajudaria a evitar, uma vez aprovado o PL, que pessoas menos experientes gerassem incêndios, pondo em risco vidas e áreas de vegetação nativa ou plantio.
Tragédia com data para acontecer – Como os dados históricos do INPE mostram, a ocorrência de queimadas no Brasil segue o calendário climático, com picos nos meses mais secos do ano, de julho a novembro, com seu ápice em setembro. Em decorrência do agravamento da crise climática, do desmatamento, do aumento da temperatura e da mudança do ciclo da chuva, os incêndios estão se agravando a cada ano no país e acontecendo mais cedo também.
Dados do MapBiomas divulgados no ano passado mostram que o Brasil perdeu, entre 1985 e 2020, a cada ano área maior que a da Inglaterra. Foram 150.957 km² por ano. O acumulado do período chega a praticamente um quinto do território nacional, sendo que 65% do total da área queimada foi de vegetação nativa. Cerrado e Amazônia representam 85% da área queimada nestes últimos 36 anos. Só no Cerrado, 36% de sua área foi queimada. O estado de Mato Grosso foi o que mais sofreu com o fogo, seguido pelo Pará e Tocantins. Maranhão, Piauí e Bahia também encabeçam a lista dos estados mais impactados.