Regular cannabis no Brasil é inevitável e urgente para reduzir danos da política de drogas, apontam especialistas na USP

- Encontro organizado pelo JUSTA reuniu o especialista britânico Steve Rolles, da Transform Drug Policy Foundation, pesquisadores e representante da OAB-RJ
- Evento contou, também, com apresentação da versão em português da publicação Como Regular a cannabis: Um guia prático, lançada nesta semana pelo JUSTA no Congresso Nacional
São Paulo, 30 de junho de 2023 – A regulamentação da cannabis no Brasil irá acontecer, no curto ou no longo prazo, e é uma oportunidade para o país construir uma política pública com viés não-punitivista, com perspectiva de saúde pública e que reduza os danos causados pela atual política de drogas. A conclusão é de especialistas que participaram nesta quinta-feira (29) de debate na Universidade de São Paulo sobre a regulação da cannabis, promovido pelo JUSTA, organização que atua no campo da economia política da justiça.
O debate apontou para a urgência de se discutir o tema e reverter os danos decorrentes da falta de regulação de toda essa cadeia, como destacou o diretor do JUSTA, Cristiano Maronna. “Discutir a regulação da maconha, na verdade, é discutir a política de drogas que queremos. A atual política de drogas é extremamente danosa. O IPEA recentemente divulgou pesquisas que mostram que a nossa política de drogas está roubando o nosso futuro, está reduzindo a expectativa de vida de muitos dos nossos jovens, está encarcerando e alimentando facções criminosas, e não impede ninguém de ter acesso a substâncias. Apesar de proibidas, as drogas ilegais, na prática, estão permitidas. Quem quer ter acesso consegue com toda a facilidade, o que é muito ruim”.
O presidente da Comissão de cannabis medicinal da OAB-RJ, Vladimir Saboia, reforçou que o atual cenário é inadmissível. “Essa política [de drogas] não tem mais nenhum sentido. Essa é uma política absolutamente racial. É fundamental que a gente consiga regulamentar isso [a cannabis]. Todos nossos esforços devem ser para uma regulamentação séria. A regulamentação vem para ter controle, um órgão fiscalizador, uma polícia administrativa, controle de qualidade. O desafio não é pequeno”, afirmou.
No encontro, também foi apresentada a publicação Como Regular a cannabis: Um guia prático, da Transform Drug Policy Foundation, que foi lançada na versão em português nesta semana pelo JUSTA no Congresso Nacional. O guia traz bases conceituais para uma abordagem regulatória fundamentada em evidências, detalha como regular os vários aspectos do mercado de cannabis, incluindo desafios e melhores práticas, além de detalhar questões específicas relacionadas à cadeia produtiva da planta.
O representante da organização britânica, Steve Rolles, esteve presente no debate e destacou a urgência da regulação da cannabis no Brasil em relação ao movimento mundial nessa direção. “Há um processo acelerado de mudança [no mundo], como um efeito dominó. Pode parecer que é um processo que está acontecendo lentamente, mas na verdade, se você pensar, há 10 anos não havia legalização da cannabis no mundo. E agora há em todos os continentes – temos talvez 25 diferentes jurisdições, com legalização da cannabis e, provavelmente, mais outros 25 países onde o debate está acelerado e a mudança virá em poucos anos. No Brasil, a porta para essa discussão estão se abrindo”.
Para Rolles, é inevitável a regulação da cannabis no Brasil e essa é a oportunidade de o país, a partir de diálogo coletivo, construir uma política pública que seja coerente e positiva. “A regulamentação da cannabis está chegando. A cannabis será legal no Brasil – no próximo ano, em cinco ou dez anos. Isso vai acontecer. Então é preciso ter uma discussão agora de como fazer isso direito e como priorizar metas como igualdade social, sustentabilidade e direitos humanos. Seria muito importante o Brasil, um país tão grande, poderoso e influente ser parte dessa discussão [mundial] sobre regulamentação”.
Reparação histórica
Para Luciana Togni Surjus, coordenadora do grupo de estudos, pesquisa e extensão DIV3RSO: Saúde Mental, Redução de danos e Direitos Humanos da UNIFESP, a publicação da Transform Drug Policy Foundation é fundamental para qualificar o debate público em torno da regulação da planta. “Celebrei e celebro muito o lançamento desse material [guia] no Brasil. Entendo que servirá como instrumento de enfrentar essas barreiras estruturais que nos impedem de avançar na revisão da política de drogas no nosso país, que é racista, punitivista, que exclui, encarcera e mata seletivamente os nossos jovens e pessoas negras, mulheres, crianças empobrecidas, em territórios muito específicos”.
O diretor do JUSTA complementa que o debate sobre a regulação da cannabis precisam ter uma visão ampla sobre os problemas sociais históricos que abarcam essa pauta e alerta para o risco de haver monopolização por parte de corporações. “A chave para buscar solucionar todos os interesses em disputa é garantir que qualquer modelo regulatório que naturalmente vai contemplar organizações que buscam o lucro, contemple também autocultivo, cultivo cooperativado e que tenhamos medidas de reparação histórica, que podem ser, por exemplo, por meio da tributação. Não é qualquer regulação que nós queremos, mas uma regulação que, de fato, contemple as nossas necessidades de reparação histórica e justiça social”, avalia Maronna.
Sobre o JUSTA
O JUSTA é uma organização social de pesquisa que se propõe a facilitar o entendimento e a visualização de dados do financiamento e da gestão do Sistema de Justiça. O objetivo da iniciativa é mostrar os impactos que a proximidade entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – pode ter na vida social e na organização democrática, principalmente nos temas de segurança pública e a justiça criminal, âmbitos em que os direitos e a liberdade da população são decididos e nos quais a responsabilização do Estado por eventuais violações precisa de maior atenção.
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